De acordo com a decisão do STF no RE 1.255.885 e ADC 49, a operação de transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular não é considerada fato gerador do ICMS.
A decisão do STF na ADC 49 não resolveu questões adjacentes à decisão de não se tributar as operações de transferência, por estar limitada ao pedido do autor. Podemos citar como exemplo, como tratar o crédito das operações de entrada da mercadoria transferida, decorrente do princípio da inacumulatividade do imposto em tela.
O legislativo nacional possui projeto de lei complementar para regulamentar a matéria (Projeto de Lei do Senado nº 332, de 2018 – “Complementar”). O qual falha, no entanto, por também não mencionar como deverá ser tratado o crédito.
Uma vez mais, à vista da inércia do legislativo, as UF editaram convênio sobre o assunto.
No presente texto não abordarei as questões relativas à constitucionalidade de se regulamentar por convênio (instrumento normativo elaborado de acordo com os trâmites fixados pela Lei Complementar nº 24/1975) matéria de competência estrita de lei complementar (“a” e “b”, III, art. 146 c/c “c” e “f”, XII, § 2º, art. 155 ambos da CF).
Como que se apagados de nossa memória os ensinamentos de Direito Constitucional, analisaremos o tratamento dispensado ao crédito do ICMS sem criticarmos os aspectos e princípios constitucionais inobservados pelo convênio em análise.
Na forma do aludido convênio, por meio de anulação do crédito no estabelecimento remetente e o respectivo registro do mesmo valor no estabelecimento destinatário, dar-se-á a transferência do crédito limitado ao valor hoje transferido, conforme mecanismo atual.
Para cálculo do valor do crédito a ser transferido deverão ser adotados os mesmos critérios previstos antes da decisão do STF; isto é, alíquotas interestaduais (Resolução do Senado Federal nº 22/89), a base de cálculo (§ 4º, art. 13 da LC 87/96 – com uma alteração capciosa em relação aos produtos não industrializados) e as demais regras relativas à fixação da carga tributária da mercadoria.
Em suma, o objetivo do convênio foi de – por via tortuosa – manter os critérios atuais, evitando-se a transferência do ICMS integral relativo à operação de entrada da mercadoria transferida.
O Convênio ICMS nº 174/23 anula os efeitos da Súmula 166 do STJ, do RE 1.255.885 e ADC 49 do STF.
Se a operação de transferência, na forma das decisões judiciais acima: a) não é capaz de atrair a incidência do ICMS, o crédito a ser transferido tem de ser o valor integral apropriado por ocasião da entrada da mercadoria e b) por ser mero deslocamento interno, crédito e mercadoria devem ser transferidos num único ato do estabelecimento remetente ao destinatário.
Regulamentar a matéria como se não houvesse decisão judicial sobre o tema, apenas acirra a disputa e causa incerteza jurídica. No entanto, não podemos deixar de reconhecer que para os contribuintes que não desejam litigar sobre o assunto, abre-se uma oportunidade de se realizar a transferência do crédito, apesar de desrespeitadas as decisões sobre o assunto.
Michel Almeida